Comentários do autor sobre esta edição
Negra Rosa & Outros Poemas é meu primeiro livro. Em 1999, resolvi remexer os papéis velhos e publicar um trabalho. Como quase todos os escritores novatos, decidi optar pela poesia. Não que eu me sentisse poeta. Na verdade, o não ser poeta é uma das minhas certezas. A princípio, a ideia era escrever um livro inteiro com umlongo poema que mostrasse a saga de Rosa, a negra que dava suavida para libertar seus irmãos da senzala. Mas o fôlego foi embora e ahistória da escrava se resumiu ao poema que dá nome a este livro.
Para compor o restante do volume, recorri a alguns poemas perdidos entre outros papéis nas gavetas. Peguei o poema A um menino de rua, com o qual eu já havia conquistado uma menção honrosa e um título de honra ao mérito no Rio Grande do Sul, em um concurso promovido pelo Instituto da Poesia Internacional. Juntei mais alguns poeminhas e montei o livro.
Eu não tinha a menor noção de como seria a capa do livro.Mas tive a sorte de conhecer o pintor e artista plástico Marcone Lima,que, após ler o poema, perguntou se podia fazer a capa. Não poderiasair melhor. Com poucos traços, ele compôs o perfil do rosto da Rosa. A suavidade do desenho me encantou desde o início. Estava pronta a capa!Nunca fiz lançamento do livro. Ele apareceu discretamente edesapareceu de forma também discretíssima. Alguns anos depois,recebi a incumbência de preparar uma segunda edição, que também não foi lançada, pois fiquei apenas com uns cinco exemplares. Todos os outros foram adquiridos por um órgão público de outro estado.
Depois disso, fiquei sabendo que a Negra Rosa era analisada emcolégios e universidades. Embora houvesse várias pessoas que desejavam ver o livro novamente editado, resolvi abraçar outros projetos e deixar a confecção de poemas para aqueles que têm talento para isso.
Agora, depois de mais de uma década da aventura inicial pelo mundo das letras, decidi ressuscitar a obra, não da forma convencional, mas sim de forma digitalizada, disponibilizada para quem quiser lê-la. Mantive o máximo possível o projeto inicial, mas algumas partes foram alteradas, pouquíssimas na verdade. Nada que descaracterizasse o volume impresso.
Hoje olho para trás e vejo que realmente nunca fui nem serei poeta. Mas inúmeros pedidos de amigos que queriam ler ou reler esteprimeiro trabalho e que não sabiam onde consegui-lo, fizeram-me repensar a ideia. Eis que a
Negra Rosa ressurge, novamente sem lançamento, mas pelo menos com a certeza de que hoje ela não é mais uma total desconhecida, nem uma anônima no meio da senzala cultural que ainda prende nosso povo com as correntes da ignorância. A tecnologia e o mundo virtual dão neste momento sua cartade alforria a essa mulher que tanto lutou contra a escravidão.
Negra Rosa ressurge, novamente sem lançamento, mas pelo menos com a certeza de que hoje ela não é mais uma total desconhecida, nem uma anônima no meio da senzala cultural que ainda prende nosso povo com as correntes da ignorância. A tecnologia e o mundo virtual dão neste momento sua cartade alforria a essa mulher que tanto lutou contra a escravidão.
Aos hipotéticos e virtuais leitores, que resolverem copiar oarquivo para seus computadores, deixo meus agradecimentos e odesejo de uma proveitosa leitura.
José Neres
São Luís, 29 de março de 2010.I A PROFECIA
Um dia linda negra aqui virá
Para livrar seu povo da escravidão
Moça virgem, o céu merecerá
Pois ela ao prazer sempre dirá não.
Touro encantado aqui enfrentará
Nua, com punhal de prata não mão.
Poderá para sempre se calar
Mas livrará do tronco seu irmão.
ta só terá um vencedor
E a negra só poderá vencer
Se realmente toda virgem for.
Mesmo assim, algo pode acontecer
E tudo, tudo cedo acabar
Sem a palavra se realizar
II ENTRE MÃE E FILHA
Filha minha, filha minha,
Chega perto desta velha.
- Cá estou, doce mãezinha.
Então me dê tua mão
Quero dúvidas tirar...
- Farei tudo que mandar.
Escuta o que vou dizer.
Escuta com atenção.
Depois responda pergunta
Que tenho que te fazer.
- Nada tenho que esconder.
Melhor assim, mi’a criança.
Nada, nada aqui esconda,
Que tu é desse povo
Toda última esperança.
- Esta pausa, qual a causa?
Filha senta aqui bem junto,
Que vou direto ao assunto.
Mais junto, junto ao meu pé.
- Como minha mãe quiser.
Tu já viu, m’a filha Rosa,
Como tu tá tão formosa?
Teu peito tá bem cheio
E duro de fazer gosto.
Sei também que já no agosto
De tuas partes brotaram
Sangue vivo de mulher.
- Sim. Isso verdade é.
Não tem negra na senzala
Com mais bela fala
Que a tua. Nem sinhá
É mais formosa que tu.
Tua anca é mais roliça,
Tua coxa mais maciça,
Teu passo é o mais leve,
Tua cintura, a mais breve
E tu não tem tanta idade.
- Sim,. É a pura verdade
Rosa, minha filha Rosa!
Tão bonito é teu nome!...
Me responde sem mentir:
Já te tocou algum homem?
- minha mãezinha, não tema,
Homem só vai me tocar
Quando a senzala acabar.
Então tu ainda é virgem?
- Sim. Com a lei me exige.
III FALTA A PROTETORA
Sinhá morreu!
Morreu sinhá!
Morreu chorando
Só de penar.
Muito sofreu
A coitadinha.
Está no céu
Nossa madrinha.
Lá ela será
Bela rainha.
Mas o sinhô,
Agora só
E sem temos
Logo achará
Um novo amor.
Já ordenou
À negra Rosa
Que se perfume,
Fique cheirosa.
Sinhô viúvo
Agora é.
Está sozinho,
Pede mulher.
“Sinhá! Por que
Morreste já,
Deixando Rosa
Sozinha cá?”
Ali vem Rosa
Com rosto triste.
“Oh, linda Rosa,
Não vai, resiste!”
Mas o patrão
Muito do bravo
Sem pena surra
Pobre escravo.
Que linda está
A negra Rosa.
Pele macia,
Carne cheirosa,
Roupa branca
Protege o corpo
Da jovem franca
De corpo virgem.
Colar de prata
Rubi e ouro
Tenta comprar
Lindo tesouro.
Coxas roliças
Cintura estreita
Seios eretos
Quadris perfeitos
Lábios carnudos,
Dentes escondidos,
Olha nublad
No ar perdido.
III FALTA A PROTETORA
Sinhá morreu!
Morreu sinhá!
Morreu chorando
Só de penar.
Muito sofreu
A coitadinha.
Está no céu
Nossa madrinha.
Lá ela será
Bela rainha.
Mas o sinhô,
Agora só
E sem temos
Logo achará
Um novo amor.
Já ordenou
À negra Rosa
Que se perfume,
Fique cheirosa.
Sinhô viúvo
Agora é.
Está sozinho,
Pede mulher.
“Sinhá! Por que
Morreste já,
Deixando Rosa
Sozinha cá?”
Ali vem Rosa
Com rosto triste.
“Oh, linda Rosa,
Não vai, resiste!”
Mas o patrão
Muito do bravo
Sem pena surra
Pobre escravo.
Que linda está
A negra Rosa.ele macia,
Carne cheirosa,
Roupa branca
Protege o corpo
Da jovem franca
De corpo virgem.
Colar de prata
Rubi e ouro
Tenta comprar
Lindo tesouro.
Coxas roliças
Cintura estreita
Seios eretos
Quadris perfeitos
Lábios carnudos,
Dentes escondidos,
Olha nublado
No ar perdido.
VI OURO E PRATA
Linda negra Rosa,
A religião
Mudar não posso.
Não posso ter teu
Belo corpo não,
Mas posso viver
No teu coração.
Toma ouro e prata
Salva teu irmão.
Sei o que é viver
Em escravidão.
Adeus! Vou embora.
Não volto mais não.
Leva prata e ouro
E meu coração.
Quem já foi escravo
Do olhar teu não
Pode ser patrão...
VII PUNHAL E LUA CHEIA
Prata de branco punhal virou
Tudo o que faltava chegou
O banho Rosa foi tomar
A lua cheia já vai chegar
O povo o canto já entoou
Bem forte e perto soa o tambor
Pega o punhal de prata co’a mão
E o beija cheia de emoção
O povo da senzala todo chora
Todos sabem que é chegada a hora
Rosa parte rumo ao destino
E a moça de tão tenra idade
Busca pra seu povo a liberdade
VIII A REALIZAÇÃO
Um dia, linda negra apareceu
Pra livrar seu povo da escravidão.
Moça virgem, todo o céu mereceu
Pois soube ao prazer sempre dizer não.
Touro encantado na praia enfrentou
Nua, com punhal de prata na mão,
Todo o seu lindo corpo mutilou,
Mas livrou da senzala seu irmão.
Estrela na testa punhal cravou
E moça virgem na areia caiu,
Soltou último gemido de dor,
Mas não lhe foi dada data civil,
Pois no mesmo dia a princesa assinou
Lei libertando o negro do Brasil.
Negra Rosa & Outros Poemas - José Neres